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O elefantinho

Aos domingos, no final da tarde, os sinos da igreja repicavam convocando os fiéis para a missa, celebrada no sotaque germânico de frei Caetano. Arranchados à porta do templo, de cuias na mão, um punhado de mendigos à espera de misericórdia, e às famílias que aos poucos iam chegando, pediam esmolas em nome de Deus. 
Terminado o culto, a meninada descia para a praça e, à vontade, numa euforia incansável, brincava de pega-pega contornando o “Cuscuz do Major”. A fonte luminosa, ao som de música clássica, jorrava água numa coreografia sincronizada, lembrando um balé. Os pombos pontilhavam o chão do logradouro em busca do alimento, e em cíclicas revoadas retornavam para o alto da igreja, lá onde moram os sinos. 
No centro da praça, impávida, a estátua do homem que fez história, e que devido aos seus feitos, ficou conhecido como “O Marechal de Ferro”.
Comendo pipocas ao lado do garoto Decinho, Seu Elpídio, com habitual paciência, explicava ao filho atento a importância do herói reverenciado. “Floriano Peixoto, dizia o pai de cabeleira grisalha, foi quem consolidou a República no Brasil”.Alagoano de Ipioca”. “Motivo de orgulho para todos nós”, concluía. 
O local atraía vendedores ambulantes que ofereciam suas variadas guloseimas. Picolé, rolete, confeitos e para abrandar a insaciável sede, o irresistível caldo de cana. Decinho, invariavelmente, comia bananolas. Tamanha a sua predileção por esse tipo de doce, que lhe valeu o apelido de “Decinho Bananola”. 
Certo dia, numa dessas brincadeiras no parque, seu amigo Horacinho, conhecido pela alcunha de “peralta”, o deixou fascinado quando lhe assegurou criar no quintal de casa um filhote de elefante que seu pai, que era marchante, havia adquirido de um fazendeiro. 
Aquela afirmação lhe tirou o sono, sobretudo quando o amigo lhe convidou para brincar com o animal. Para tanto, impôs três condições: pagamento de um valor simbólico em dinheiro para ajudar nas despesas com a ração, sigilo absoluto e que no dia previamente marcado, fosse até lá sozinho para não assustar o bichinho de tromba. 
Devorado pela ansiedade da espera que o fazia roer as unhas, foi difícil manter-se calado, mas agüentou firme temendo quebrar o acordo.Afinal, chegou o grande dia. Acordou cedo e saiu tão apressado que nem escovou os dentes. 
Depois de violar o cofrinho e pegar o dinheirinho que havia economizado, partiu desenfreado à casa do amigo para realizar o sonho. Ao vê-lo bater à porta, saltitante, Peralta, que já o esperava, apressou-se em lhe cortar o barato, esfriando a alegria que Decinho trazia estampada no rosto, dizendo-lhe lacônico: “Não é possível, Bananola”, meu pai vendeu o bichinho ao dono do circo. Lívido com o impacto da notícia, foi dominado por um acesso de raiva que o fez atirar sem direção definida, as moedas que trazia na algibeira. Em seguida, cobriu o rosto com as mãos trêmulas e desatou um choro profuso, vertendo lágrimas aos borbotões sob o olhar triunfante e o riso sarcástico do amigo zombeteiro que continuava, sem remorsos, a torturá-lo: “os homens do circo vieram pegar ele ontem. 
Mas não tem nada não; ainda tem um jeito de você conhecer ele”. E esclareceu que o circo, para onde fora levado o elefantinho, fazia uma curta temporada na cidade e que, com apenas um quilo de jornal, ganhava-se uma entrada para o camarote. 
Peralta, além de mentiroso era acostumado a praticar toda espécie de travessuras. Pular os muros dos quintais alheios para furtar frutas, era uma delas. Ao contrário de Bananola, menino ingênuo e compenetrado, cujo passatempo preferido era realizar cirurgias em catengas, rasgando-lhes o ventre com uma gilete, convicto de que no futuro seria médico. 
Desejando abrandar a angústia que lhe corroia o peito, decidiu ir olhar o elefantinho no picadeiro onde, segundo Peralta, o animal ia dar espetáculo. Mas uma coisa instigou a curiosidade de Bananola que não se conteve e, antes de ir embora, perguntou: “Horacinho, para que o circo quer tanto jornal?” 
Era o que Peralta esperava para prolongar o engodo: “É para limpar o cu do elefante, otário”. 
E às gargalhadas fechou a janela, deixando Bananola só e ludibriado, que se acocorou na calçada e voltou a chorar, sentindo vergonha do ridículo de mais uma galhofa. 
Desde então, passou a ser alvo de constantes pilhérias. Todos, ao vê-lo, caçoavam perguntando-lhe se ainda queria ver o elefantinho. 
Visivelmente indefeso diante de tanta mangação, limitava-se a fechar a cara ligeiramente dentuça e de óculos, como se nela crescesse uma sisuda tromba. 

O Autor Adelmo Marques Luz, é cambonense. Nascido no Cambona, filho de Manoel e Helena Marques Luz, durante sua adolescência, teve em sua companhia, amigos inesquecíveis: Beto, Alder Flores, Nah, Vavá, Pinduca, Zé Maria etc, com quem aprontou poucas e boas, entre êles o amigo Bananola, que virou personagem de seu conto o Elefantinho. Edson Bezerra, o Bananola, hoje acima dos quarenta de idade, é um personagem bastante conhecido, não só no meio universitário, por ser professor de Sociologia e Antropologia, como também entre os artistas, compõe e canta, é o criador do famoso texto MANIFESTO SURURU.

Comentários

Unknown disse…
Bem oportuno esse seu resgate a um bairro tão tradicional como o Cambona. Uma verdadeira declaração de amor

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