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A musa do tarado

Lúcia, nos seus incompletos dezesseis anos, possuía uma engenhosa beleza que acabara de desabrochar, saudável e viçosa como uma flor matinal. Cabelos escuros e em queda livre feito as cascatas; os olhos de jabuticaba e a pele morena lembrando as rolinhas caldo de feijão. Busto farto e os lábios carnudos que mostravam, ao menor sorriso, uma fileira de dentes alvos como coco. Esbelta igual às garças e dona de um aformoseado corpo de dançarina, Lúcia exibia leveza no andar e harmonia nos movimentos; suas salientes nádegas rebolavam como uma inquietante maré, despertando atenção à primeira vista. Cabocla oriunda do sertão, de onde veio para a capital ainda criança concluir os estudos, logo os galanteadores do bairro lhe batizaram como "Miss Lúcia". Desconhecendo o apelido que lhe era atribuído, sequer desconfiava das taras verbais que lhe dedicavam os rapazes, em descontraídas rodinhas de bate - papos na praça. Nessas ocasiões a beldade era predileção nos apimentados comentários: - Continua linda! Os peitinhos duros que nem bico de canoa. Ai se ela quisesse fazer amor comigo! Começava a beijá-la pelo pé da cama... Não havia limite na imaginação daquela turma de frajolas que enxergavam em Lúcia a razão das suas mais variadas fantasias, muitas vezes extravasadas no banheiro, em mágicos e solitários enleios. Audaciosa no uso de roupas curtas, a rapariga endoidava até mesmo os mais contidos. Impossível não reparar nos seus atributos; irresistível não desejar seus predicados.
Um desses rapazes, morador das cercanias, conhecido pela alcunha de Fábio Tara, debruçava-se regularmente no postigo de casa para esperar a passagem da admirável transeunte. Era itinerário obrigatório de Lúcia rumo ao colégio, cruzar à porta de Fábio que em vigília espreitava a caça feito um gavião faminto. "Batia o ponto" todos os dias. "Admirar o que é belo não é pecado", justificava-se. Certo dia, Miss Lúcia apontou na esquina trajando ordinariamente o uniforme colegial, a juba molhada e ao vento, exalando um cheiro de asseio recente. Há algum tempo que Fábio planejara a realização de uma audaciosa aventura, e aquele fora o dia escolhido. Quando Lúcia cruzou a calçada, Fábio provocou uma conversa aparentemente casta, mas no íntimo, cheia de falsas amabilidades, a fim de ganhar o tempo necessário para executar o seu intento. Guiado pelo espírito atrevido, o impostor fez uso da retórica como parte da estratégia. Impossibilitada de perceber os movimentos de Fábio, que se protegia por trás do para-peito da janela, deixando apenas o tronco desnudo, Lúcia demorou-se por alguns minutos à mercê dos desígnos daquele lobo travestido de cordeiro, que já havia aberto a braguilha. Do seu posto de observação privilegiado, ao tempo que devorava Lúcia com os olhos sequioso e vermelhos, denunciando a "lombra", prosseguia numa rítimica bolinação no pénis e latejante:
- Aonde você vai, Lucinha?
Fitando a garota como uma serpente que magnetiza a caça, vítima do bote iminente.
- Oxê, Fábio, não vê que estou indo ao colégio?
Para mantê-la servil e à disposição dos seus caprichos, continuou procrastinando com patéticas indagações:
- Vai estudar é?
Demonstrando impaciência e falta de interesse na conversa fiada, Lúcia foi breve, dizendo-lhe que estava atrasadíssima para a prova de matemática, e que capengava na matéria. Aproximava-se o término do ano letivo, férias à vista, mas para livrar-se do desconforto de uma "segunda época", Lúcia admitiu necessitar de nota sete na disciplina. A luz do sol era plena àquela hora e o calor contribuía para excitar o onanista:
- " Ma-te-má-ti-ca é? Sete?" "Ma-te-má-ti-ca?".
Apegou-se a essas palavras como um retardado, realçando-lhes a intonação das sílabas, á medida que se aproximava do orgasmo:
-"Ma-te-má-ti-ca é? "Ma-te-má-ti-ca ...?".
E acelerou como um dínamo os movimentos do braço rumo ao prazer, sacudido por uma ondulação lasciva que fazia palpitar seu corpo suando em bicas. De repente, dominado pela volúpia, quebrou o sigilo num espasmo gutural de boi zebu, confessando com estardalhaço a industriosa safadeza:
-" gozando!" gozando!"
E revirando os olhos, amparando-se para não cair, sujou o canto da parede com seu sémen onde costumava deixar vestígios da reiterada prática, cometida contra outras vítimas. Ostentava a imundice como troféu aos amigos que duvidassem do atrevimento. Só depois do fato consumado Lúcia percebeu indignada a artimanha. Pálida e impulsionada pelo susto, fugiu lépida como uma lebre do predador de faces afogueadas que, após saciar a luxúria, sossegou como uma fera que mata a fome na abundância de um banquete. Á noite, numa expansibilidade cínica e folgazã, foi à praça arrotar o resultado da impudicícia, narrando repetidas vezes e com riqueza de detalhes, o acontecido:
- A princesinha ficou imóvel na minha frente, cantando na mão feito curió manso. E mandei bronca na "rua da Palma número cinco". Foi uma bronha que me fez jorrar uma xícara de gala!"

Conto de Adelmo Afonso de Melo Marques Luz.

Comentários

Chico Elpídio disse…
Peitinhos duros que nem bico de canoa, Adelmo você é demais, quanta imaginação, só sendo cambonense, parabéns.
anacletum disse…
Desconhecia essa sua veia poética, Adelmo. É uma prosa fácil, transparente, gostosa de ler e, em alguns momentos, candidamente pornográfica, que pode constar de um rol de leitura de qualquer convento de freiras...Abraços Botinha
Elias Fragoso disse…
Grande, Adelmo, visitar o chico já é um enorme prazer por "rever" amigos e partilhar um pouco da saudade de vocês.

Parabéns pelo texto. Muito bom. Devias enveredar um pouco mais por esta seara. Vale a pena.
Abs.
Elias Fragoso

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